Judicialização da saúde

Com a promulgação da Constituição de 1988, muitos direitos da cidadania, antes inimagináveis, foram assegurados e perpetuados no texto constitucional. E o direito à saúde, universal e gratuita, foi um deles.

Dois artigos estampam bem essas garantias constitucionais:

– O artigo 6º, quando afirma que:

“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

– E o artigo 196, que determina:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Mas o texto constitucional trouxe no seu bojo outras duas garantias, como aquela que assegura ao cidadão o acesso à justiça, de forma gratuita, para buscar aquilo que acredita ser seu por direito. E, também, a que afirma que o poder judiciário não poderá deixar de apreciar as demandas dos seus jurisdicionados.

Dada a permanente escassez de recursos na área da saúde, surgiu a chamada judicialização da saúde, termo criado para definir os atendimentos às demandas dos cidadãos, obtidas mediante ações judiciais: Não atendido pelas vias administrativas, o cidadão, necessitado de medicamento ou tratamento médico, procura a justiça, para que o juiz obrigue o Estado a atender o pedido, uma vez que a saúde é um direito seu, assegurado no texto da Constituição.

Ocorre que os medicamentos e tratamentos obtidos por via judicial desequilibram o orçamento dos entes federados, União, Estados e Municípios, pois não constam da previsão orçamentária, elaborada no ano anterior. Quando menos espera, o secretário de saúde de um município qualquer é surpreendido com uma determinação judicial para entregar ao cidadão, em 24 horas, um medicamento de quarenta mil reais, sob pena de prisão. Muitas vezes, esse mesmo secretário está contando as moedas do caixa, para abastecer as ambulâncias do SUS, que atendem à todos os munícipes.

Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2018 foi gasto R$ 1,4 bilhão pela União com medicamentos e tratamentos por determinação da Justiça. O que significa dizer que nenhum centavo desse R$ 1,4 bilhão estava previsto no orçamento. Com a decisão judicial, que deve ser cumprida, as verbas destinadas à educação e à segurança, são desviadas para uma finalidade não prevista anteriormente.

Tentando amenizar o problema, está tramitando no Congresso Nacional um Projeto de Emenda à Constituição, alterando a redação do parágrafo 5º do artigo 195 da Constituição:

– Redação atual do parágrafo 5º: “Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total,”

– Redação proposta para o parágrafo 5º: “Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido por ato administrativo, lei ou decisão judicial, sem a correspondente fonte de custeio total.”

Ou seja, se a emenda for aprovada, o Estado só arcará com despesas de saúde previstas no orçamento.